terça-feira, 3 de janeiro de 2023

  FUGA DE MARTELO


........Em Brasília, lutei com persistência contra a corrupção nos combustíveis. Diante de inimigos ocultos e interesses conflitantes, obtive poucos resultados. Eu não sabia que o Brasil era assim! Triste, voltei ao Rio Grande altivo, rico de valores e tradições.

.........Em Porto Alegre, fui residir na Rua São Manoel, em lar com pouca estrutura. Não havia silêncio, nem luz, nem chaves... Por isso que Militar ganha bem... Num inverno rigoroso, a luz veio no quinto dia. A imobiliária cobra como se fosse Avenida Paulista! Tive uma surpresa com as chaves.

.........Fui fazer cópias das chaves  no Bairro Santana. Enquanto o profissional fazia o trabalho, chegou um cliente vindo, talvez, de uma galáxia vizinha. Com a cabeça cheia de graxa e teia de aranha. Um mistério bem misterioso. Fiquei em dúvida: perguntar ou não... Os nativos não gostam de perguntas. Quando perguntei a um jovem “di Porto Alegre” se poderia baixar o som, por pouco não houve uma grande pancadaria... O rádio dele tocava só propaganda! Tive que ler um livro de crônicas no bairro dos bacanas. O silêncio e os pássaros são amigos do Pensador.

.........Mas, considerei que deveria fazer de tudo para não ser acometido por moléstia similar. Sem prata na guaiaca, sem sorte no amor e com graxa no cabelo, seria bem mais difícil pegar guria. Não custa perguntar. Para evitar uma tragédia, indaguei com a polidez que me é peculiar. Afinal, o Escritor tem que conhecer os problemas do Povo. Perguntei em tom amigável: O QUE HOUVE COM O TEU CABELO?

.........Bah! Me arrependi na hora. O Cidadão não gostou. Ficou vermelho. Disse que pisei nele. Que era coisa da minha cabeça. Foi ficando furioso. Começou sair fumaça pelas orelhas. O Chaveiro tentou amenizar: “Está na moda colocar óleo Palmolive no cabelo!” Sobre o balcão, havia um martelo. O Cliente olhou para a ferramenta. Pensei: será que vai pegar o martelo? Eu estava confiando no seu espírito democrático... O furioso cidadão pegou o martelo com energia. Medo eu não tinha. Nem coragem. Eu só não gostava de tomar martelada.

.........Meu espírito militar falou mais alto: decidi atacar para a retaguarda. Subi a Vicente Da Fontoura correndo a 90 Km por hora. O homem do martelo gritou: “TRAIDOR!” Veio atrás de mim a 90 Km por hora. Fiquei com a impressão de que ele queria acabar comigo. No bom sentido. O Teixeirinha conhecia bem a gauchada: "...mas se alguém me pisar no pala... meu revólver fala..."

.........Numa esquina, passei por duas Soldadas da Brigada Militar. Eram belas, elegantes e educadas.  Uma Nação se constroi, também, com bons exemplos! Elogiaram o meu preparo. Não perceberam o pânico.


Corri na direção do Arroio Dilúvio. Aquele que já era para ser um ponto turístico piscoso. Não havia ponte. Fiquei com uma dúvida gaudéria: se atravessar, livro-me do perseguidor, mas poderei chegar do outro lado com doença de rato, tétano, hepatite e chikungunya. Com um pouco de azar, poderei, ainda, ser multado por crime ambiental.

.........Dobrei para a esquerda. Corri para a próxima ponte. Passei por um vendedor de gatos. O homem do cabelo estranho parou na beira do Arroio. Não gostou do que viu.  Com muita raiva, jogou o martelo na água “mineral”. O “carpinteiro” ouvia vozes, via personagens... Parou para ver a gataiada. Na Avenida Ipiranga, tive que diminuir o ritmo. Mendigos dormiam na calçada. Parece que o pessoal da Assistência Social não se lembra deles... Todos têm cães. Para acabar com a pobreza, nenhum patriota deve dormir de dia. "À Pátria tudo se dá, nada se pede!" Que saudade do governo forte! O Brasil é mais feliz sob pulso firme!

.........Meu perseguidor implacável foi atacado pela cachorrada. Não desistiu. Entrou numa ferragem. Mistério. Com o “melãozinho” funcionando em baixa voltagem, eu não conseguia pensar direito. Entrei na Rua da Igreja, atual Duque de Caxias. Entramos! O cheiroso era um baita atleta! Lembrei-me do poderoso Santo Antônio. Ele atendia à minha Família na hora. Eu precisava que me ajudasse de novo.

.........Cruzei por algumas senhoras. Estavam maravilhadas com a roupa de um jovem. Mostrava, parcialmente, uma peça íntima colorida. Aparecia um pedaço do cofrinho. Que bonito! O homem do cabelo com graxa parou. Interessou-se. Distraiu-se. Gostou de alguma coisa. O trânsito estava parado. Aproveitei a confusão. Entrei na Catedral. Que alívio!


Tratei de sumir. Passei por uma porta na parede do lado direito. O senhor Bispo fazia uma palestra. Ele me reconheceu: “Olá, Claudio! Tu também vais fazer o Curso?” Respondi: com certeza! Ele continuou: “O Henry ainda está no Seminário?” Respondi: de que Henry o senhor está falando? Enquanto o Bispo pensava, tocou o sino. Acabou a Palestra... A Freira aproveitou para fazer uma pergunta: “mais alguém vai fazer o Curso de Marcenaria?”

.........Saí da Catedral no meio da multidão, para não ser reconhecido. Fiquei mais calmo ao ver que a segurança era de peso: uma dupla de Soldados (tradicional Pedro e Paulo). Fortes e bem equipados. Avistei, do outro lado da Rua, o meu furioso perseguidor, entrando na Assembleia Legislativa. Levava na mão direita um martelo novo... Que perigo! Espero que os Deputados não perguntem nada.



domingo, 20 de novembro de 2022

  Está Faltando Alguém na Avenida


.........Numa tarde de sábado, fomos visitar o Cantor JOÃOSITO, líder do Conjunto JOÃOSITO E SEUS COMETAS, Tio do ADEMAR, o Gauchinho. Estavam ensaiando. Cantavam com prazer. O JOÃOSITO era compenetrado. Não falava com a piazada. O HUGO ROSSI, que tocava pandeiro, era comunicativo e leal ao irmão. Antes de seguirmos para a Curva do Rio Bonito, escutamos uma canção genial: CHALANA (... “nas tuas águas tão serenas / vai levando o meu amor”). 
.........Depois, encontrei o HUGO colocando os números nas casas da Cidade. Curioso, como de costume, perguntei qual seria o número da Loja do meu Pai (FRIDOLINO), a Casa Santo Antônio. Ele respondeu: “999!” Logo em seguida, afixou o número. Está lá até hoje!
.........Era comum encontrar os ROSSI, o Paraguaio e o VERCI comprando tinta na Loja do Pai, pintando as casas da “Alta Sociedade”...
.........Num dia de preguiça, quando eu voltava da aula no Colégio Santa Gema, encontrei o HUGO e seus amigos pintando a Igreja N S de Lourdes... O que mais me impressionou foi que um deles subiu na abóboda da igreja. Não tinham medo! Estavam acostumados... Mas foi uma operação de alto risco!
.........Ao analisar a trajetória dos herois do passado, temos que conhecer o mundo deles... Tudo que acontecia lá fora refletia nos nossos lares. Alguns gestores gastavam mais do que arrecadavam. Provocavam inflação, fome e desemprego. Ficávamos dependendo da Colônia... O Pai dizia, na Loja: “Quando a Colônia vai mal, tudo vai mal!” Eu não entendia de Economia, mas as prateleiras vazias não sabiam mentir... Os políticos estavam bem. O Povo passava fome! Esse era o Mundo de HUGO! Os pintores não tinham trabalho. Reuniam-se, na Barbearia do RIQUETO e do TELMO, esperando, com ansiedade, que uma boa alma resolvesse pintar a casa. Hoje, o passado parece pequeno, mas, à noite, faltava luz! Preocupados com obras de grande popularidade, os governantes não investiam no futuro do BRASIL. Quando a FGF mandava uma bola nova, era motivo de festa. O meu Pai foi um dos Sarandienses que teve que pagar a conta da irresponsabilidade dos outros.. Quando a Loja fechou, 150 famílias deixaram de pagar as dívidas. Ele era compreensivo, mas sofreu muito com isso...
.........O HUGO era assíduo: comparecia aos eventos. Era versátil: foi jogador do Torino, do Ipiranga e do Harmonia. Trabalhou como Pintor, Músico e Treinador. No outono da vida, passou a produzir a coluna Túnel do Tempo, a mais lida do Jornal. Com boa memória, colaborou para que outras gerações conhecessem as lições do passado... Resgatou nossa bonita História. Mostrou aos jovens que é possível vencer na vida...
.........O HUGO poderia ter produzido bem mais. Ele trabalhou em condições desfavoráveis. Apesar dos laçassos da pobreza, conquistou resultados magníficos, no campo dos valores imateriais. O entusiasmo dele era contagiante. Entendia de gente. Sabia se posicionar diante das autoridades e dos pobres. Ele acompanhava com interesse o destino de cada sobrinho e de cada jogador. Sentimental demais, começou a morrer quando o destino desmontou o mundo que havia lhe dado a felicidade... Viu, com tristeza, uma geração inteira se espalhar pelo mundo...
.........Ele amava o Futebol. Quando não havia dinheiro para mandar fazer camisetas, fazia com sacos de farinha... da marca Harmonia... Foi ao Estádio dos Eucaliptos ver o Pelé jogar. Antes de um treino, comentou: “Ninguém tira a bola do Pelé!” Batizou o filho primogênito com o nome de um craque do Inter da década de 50: LARRY... (Larry Pinto de Faria).
.........A obra-prima do HUGO foi montar o melhor time de futebol da História do Grande Sarandi. Nos jogos decisivos, o Estádio Pedro Demarco ficava lotado... Não cabia mais ninguém! Todos queriam ver as tabelinhas do VITOR HUGO, ITACIR, GETÚLIO e DALAVECHIA... Eles entravam com bola e tudo! O HARMONIA treinava todos os dias, ao cair da tarde. Seus jogadores eram exemplares: não cometiam faltas! Faziam sacrifícios: quando não havia ônibus, viajavam na carroceria dos caminhões, correndo uma série de riscos... Nada se conquista sem trabalho e sacrifício!
.........O Técnico era agregador hábil. Reuniu todos os jogadores, titulares e reservas, na casa dele, para uma confraternização, num sábado à noite, na véspera de uma final de campeonato com o temido IPIRANGA, do Willy Schaeffer. Estávamos tentando aliviar a tensão... Lá pelas tantas, o HUGO declarou: “Olha, gurizada, amanhã à noite, neste mesmo horário, estaremos todos felizes, comemorando... ou arrasados! O meu primeiro time e o dele era o HARMONIA... o segundo era o INTER...
.........Eu não consigo imaginar os treinos do HARMONIA sem ele... Sua voz paternal ainda ecoa na lembrança: “Não tem ninguém no rebote!” / “Cruza para trás, SABINO!” / “O VÍTOR IVO vai bater a falta!” / “Solta a bola, FLÁVIO!” / “Chuta de fora da área, ROGÉRIO!” / “QUICO, levanta a cabeça!”...
.........Ainda ontem me emocionei, ao me lembrar que o HUGO recebeu, de braços abertos, os negros e os pobres... Dono de um coração grandioso, contou que o Pelé, quando foi fazer teste no Corinthians, foi mandado embora... era um negro magricela! Todos ganharam uma oportunidade, inclusive eu, um branco magricela...
.........O tempo provou que ele estava certo: (os negros) SABINO, VALTER e CATARINO deram grandes emoções ao Povo Sarandiense... Tornaram-se queridos craques. Na época, pensei que o SABINO não suportaria a pressão de barulhentas torcidas... Mas eu me enganei. Ele ia para cima do lateral direito... "Passava de passagem"! Que saudade! Encontrei-o num supermercado. Ficamos um tempão recordando os  momentos felizes que o HARMONIA nos deu...
.........Um dos fatores das campanhas vitoriosas do ALVI-AZUL foi a sociabilidade do HUGO... Conversava com todos! Ele não deixava o time parado: marcava jogos e ajudava divulgá-los... Parece fácil? Mas não havia jornal na Cidade! Ele sabia a situação de cada jogador. No fundo, era sensível, tinha tato... Quando a doença levou o capitão OSVALDO (TITUM), ficou inconsolável. Nem subiu para o treino...
.........Ao visitarmos o campo do HARMONIA, para recordar, ele me disse com tristeza: “VENDERAM TUDO!”. Uma legião de Sarandienses passou a infância naquele gramado! Com arquibancadas confortáveis, ali seria o nosso Maracanã! É difícil construir, sem destruir o que os outros construíram... Foi o fim de um grande sonho!  O jogo acabou!
.........Não deixou de ser humilde, nem nas grandes vitórias... Apesar dos ventos da adversidade, foi um homem feliz... DEUS permitiu que ele vivesse momentos maravilhosos da vida nacional... Era saudosista. Guardava, de lembrança, cada carta, livro, fotografia, revista, notícia dos jogadores que treinou... Na parede da sala, mostrava com orgulho um retrato grande do Conjunto JOÃOSITO E SEUS COMETAS... que o tempo levou.
.........Trabalhou cercado por amigos leais, como o NILO BAUDIM, que trabalhava várias horas seguidas na copa, vendendo gasosa e defendia os jogadores do HARMONIA como se fossem seus filhos. Cercado por amigos leais, como o ADEMAR FERRONATO... que o ajudou até os 45 minutos do segundo tempo...
.........Não consigo imaginar os treinos do HARMONIA sem ele... Tudo bem: o Pai me ensinou que a alma não morre. Mas, para quem teve o privilégio de trabalhar com o HUGO, a Avenida nunca mais será a mesma!
.........Aprisionado pela doença em sua própria casa, viu os Anjos chegarem no SARANDI... Vestia uma camiseta do Internacional de Porto Alegre. Levava um crucifixo grande no peito e um pandeiro velho na mão...
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..............."E assim ele se foi,
...............nem sequer se despediu(1)
...............Deixou indômita saudade,
...............no coração da Cidade
...............e na curva do rio.



(1) Canção “CHALANA”, do Mário Zan.

terça-feira, 11 de outubro de 2022

    Jogando com o Destino


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.........Ao iniciar estas linhas, afirmo que este trabalho foi um dos mais difíceis para mim, sob a ótica emocional. E a seguir, antecipo duas respostas, a perguntas inevitáveis. Por que não escrevi antes sobre este assunto? Porque não tive condições de abordá-lo com profundidade. Tenho o direito de escrever sobre este episódio? Sim. Tenho. O evento histórico que ocorreu não me pertence. É do Povo Sarandiense. Iniciarei o resgate dele. E, após, entregá-lo-ei de presente, para ser preservado às gerações futuras. Não tenho arquivos, nem fotografias. Não é um trabalho de historiador. Tendo o cuidado de não magoar, evitarei declinar nomes. Mesmo porque alguns personagens daquela efeméride já não “cavalgam” mais por estes rincões...

.........Num domingo ensolarado dos “Anos Dourados”, eu e alguns torcedores e atletas juvenis do HARMONIA, por algum motivo forte, decidimos não assistir ao filme da “matinê” do Cine Guarany, do “seu DÂNDALO”... Antes das 15h, já estávamos no Estádio da Baixada. Era dia de clássico municipal. Nos posicionamos, calmamente, nos degraus do lado direito do pavilhão da arquibancada. Éramos um grupo homogêneo. Havia guris com cabeça de homem. Homens com cabeça de guri. E guris com cabeça de guri. Uma geração de corações sem maldade... “OH! Que saudade matadeira!”.

.........Um amigo leal, que estava sentado à minha direita, chamou-me a atenção para uma presença especial na torcida. Estava no centro do pavilhão, um pouco abaixo e à esquerda de nós... a 7 metros de distância... Eu tive dois problemas naquela velha tarde de domingo. Naquele momento, estava começando o primeiro: a moça! Ficamos perturbados com a presença da menina-moça... Pertencia à elite social do Pequeno SARANDI. Fiquei pensativo... Não tinha como não pensar... Alguma coisa não fechava. Faltava uma peça para montar o quebra-cabeça. Tinha ouvido falar dela. Agora estava ali, perto de mim, ao vivo e a cores. Que mistério! Nossos caminhos nunca haviam se cruzado. Por quê?

.........As equipes já estavam no gramado. Feito o sorteio. O Juiz apontou para o lado do CARAZINHO. A sorte estava lançada. Naquela trave ficaria o goleiro ALVI-AZUL. O HARMONIA chutaria para o lado da Cidade... ou da PALMEIRA. Até aí tudo bem. O jogo valia pelo campeonato. O momento era de tensão. Eu era “doente” do HARMONIA. Treinava contra os titulares. Sonhava ser titular, quando ficasse mais forte. Até sabia como o time jogava... Mas e o destino? Como joga? Qual será o próximo drible? Quem sabe?

.........Mesmo sendo discreta, atraía olhares... e alguns elogios. Simples e elegante. Alegre e descontraída. Muito bem relacionada. Não tirava os olhos do gramado. Seu namorado era um dos jogadores do Tricolor. Sentada, com as pernas unidas, segurava no colo um menino de um ano e meio de idade. Apertava-o com carinho. Não vou negar que me comovi... que, por pouco, não chorei... Eu não vou negar... que pensei em fazer amizade... em breve. Ninguém de nós foi falar com a “musa”. Melhor assim. Éramos meio ingênuos. Não sabíamos que o relacionamento era tão importante... e que esquecer alguém era difícil, muito difícil...

.........O jogo começou. O HARMONIA não conseguia passar do meio de campo. E lá vinha o IPIRANGA... Era um ataque atrás do outro. Como se fossem ondas. O Tricolor era superior. Dominava o jogo. Mas a bola não balançava as redes. O goleiro pegava, ía para fora... ou batia na trave. Parecia haver alguém “endiabrado” no setor esquerdo do ataque. Foi aí que aconteceu uma das jogadas mais interessantes que vi na vida. Que pena que não havia câmera para gravá-la! O IPIRANGA aumentou a pressão. Fez um verdadeiro “bombardeio”. Chutou três bolas na trave em curto espaço de tempo e em sequência. Foi algo cinematográfico! Uma delas foi inesquecível: a bola fez um trajeto em diagonal e chocou-se, caprichosamente, com o encontro do travessão com a trave vertical, que ficava para o lado da Cooperativa do IVO FABRIS. Os torcedores colocaram as mãos na cabeça. Parecia que haviam se combinado. Após o chute, o atleta, com um sorriso no rosto, caminhou, com orgulho indisfarçável, de lá para cá... Consegui captar o pensamento dele: “Viram o que eu fiz? Não mexam comigo!” Falei, então, ao pessoal: “Não mexam com ele!” A torcida entrou em delírio. Era uma partida proibida para doentes... do coração. Eu estava “meio” apavorado. Não era o HARMONIA que eu conhecia. No meio daquele “sufoco”, o Juiz apitou. Graças a DEUS! Zero a Zero era um bom negócio. Não tinha visto a meia cancha correr tanto. Jogaram, heroicamente, contra o IPIRANGA... e o destino. Talvez tivesse sido melhor ver o filme do “VALDISNEI”...

.........Descemos do pavilhão para beber alguma coisa. No pátio do bar, havia um burburinho enorme. Os torcedores do HARMONIA estavam assustados. Aquele monte de bolas na trave não era um bom sinal. Eu não conseguia chegar no balcão. Os Ipiranguistas estavam orgulhosos, agitados, surpresos, eufóricos... Pedi uma Grapete. A piazada tinha tomado tudo. Eu me sentia no meio de dois bandos de lavadeira. Eram umas 300 pessoas falando simultaneamente. Pisaram no meu pé. Foi um gordo. Eu não gostava de gordo. A Irmã havia proibido palavrão. Tudo bem. Os Ipiranguistas queriam uma explicação. Cada um dava a sua versão. Então pedi uma Pepsi-Cola. Podia encontrar, sob a rolha, um prêmio. Tinha acabado. Entrei no clima da confusão: “Afinal, o que tem nesta bodega?” Tinha a gasosa do MACCARI... Pedi logo duas! Um torcedor, sob efeito da “marvada”, deu a culpa ao Juiz. Pobre árbitro! Mesmo quando acerta, a genitora é lembrada... Faz parte do pacote. O ingresso dava direito a ver heroísmo, golaço, a bicicleta do HILDO DE JESUS, pastel de origem duvidosa, baixaria...

.........As pessoas ficaram com medo, quando um líder político da UDN, que trabalhava no Congresso Nacional de SARANDI, culpou, categoricamente, as “forças ocultas”. Ouviu-se um silêncio geral. Quem seria? Fazia sentido. O “Tio” não estava de todo errado. Encontrava respaldo na História. Alguns anos antes, o próprio Presidente da República, Dr JÂNIO QUADROS, havia pedido demissão... por causa delas. As “forças ocultas” poderiam ter vindo de BRASÍLIA direto para SARANDI, a “Passarela da Produção”. Por que não?

.........Um torcedor, com rosto vermelho e barriga “importante”, ameaçou entrar com recurso. O HARMONIA havia jogado com dois goleiros. A “cultura” era forte. Já no primeiro tempo, ele viu dois goleiros, duas bolas, duas traves... Pagou os pecados. A grande área do ALVI-AZUL era, para os sóbrios, uma grande confusão. Que dirá para os “pinguços”. Vamos em frente, gente! Isto aqui não é EUROPA!

.........Mas o que, realmente, acalmou a torcida foi a explicação, de cunho científico, emanada por um profissional da área de tecnologia: “Tinha um sapo enterrado na goleira!” Gastei o primeiro palavrão da cota diária. Vou pedir desculpas para a Irmã ANITA. Ali começava o meu segundo problema do dia: o sapo! O BRASIL era o País do Futebol. Este, precisa ser sério! Muitos concordaram com o “cientista”. Naquela época, a gente lia pouco, alguns, muito pouco... outros, nada! O que os grandes diziam, chegava aos ouvidos dos piás como “verdades verdadeiras”. Ninguém questionava. As escolas, salvo melhor juízo, desenvolviam espírito crítico reduzido. Nas campanhas eleitorais, circulava um outro tipo de verdade. Termos incorretos ou mal-empregados provocavam falhas de comunicação, mal-entendido, desgosto... Uns diziam que era macumba. Outros, saravá. Alguns, despacho. Decidi “tirar a limpo” a denúncia. Estava determinado a encontrar o sapo. Alguns guris não conseguiram conter a curiosidade. Foram lá armados até os dentes: bodoques, facas e pedras!

.........Um entusiasmado torcedor do HARMONIA, com forte sotaque VÊNETO (ITÁLIA), com o braço direito erguido, bradou: “A GENTE TEMOS GOLERO!” E possuía. Precisamos ser justos. SARANDI e RONDINHA produziam grandes goleiros.

.........Um Aluno esperto do GINÁSIO SARANDI, o IVO do Café Central, arrancou gargalhadas do Povo. Relatou o que havia vivenciado. Assistira o primeiro tempo perto de um torcedor do IPIRANGA, de origem italiana. Tudo bem! “Bona gente!” Cada vez que a bola era chutada e não balançava as redes, ele blasfemava... várias vezes. Como houve várias bolas na trave, deve ter blasfemado durante todo o primeiro tempo... Dizia: “porco isso”, “porco aquilo”,...

.........O guarda apitou. Pronto! Estou preso! Desacato à autoridade, etc... Enganei-me: quem apitou foi o Juiz da partida. Todos saíram correndo. Ninguém queria perder o segundo tempo. O último a sair foi o Bodegueiro. Colocou uma garrafa de “FAZENDAS” debaixo do braço esquerdo. Chamou-me de magricela. Correu para trás da goleira do HARMONIA. Agradeci: “Obrigado, Tio!” Afinal, a minha base educacional era consistente, adquirida na Linha PERAU. Não me senti ofendido. Como ele pesava 110 quilos, iria encontrar outros magricelas pelo caminho...

.........Encontrei um Professor. Tinha perdido os óculos na confusão do Bar. Perguntou onde estava. Respondi: “no Estádio.” Não gostou. Disse que eu estava na idade da bobeira. Ótimo! Ajudou-me em muito. Ali começou a minha carreira. Eu já sabia que era bobo. Meio caminho andado. Só faltava saber por que...

.........Tratei de subir logo a velha escada de madeira. Estralou, rangeu e balançou. Não caiu com a italianada “forte”. Não seria justo ela cair com um magricela... tipo bobo.

.........A expedição para procurar o sapo foi adiada. Combinamos voltar num outro dia, com mais calma.

.........Ao percorrer as arquibancadas, senti na pele a guerra... de nervos. O CAMPANA estava calmo. Uma freira foi falar com ele. O BACHI, alegre. Vendeu um relógio no intervalo. Ou dois. O HELTON KLEIN estava confiante no Tricolor. O BAUDIN, valente, pressionava o Juiz. Queria vencer no braço... ou no grito. O “JOVANINI” estava com cara de boi... indo para o matadouro. O PERUZZO, pálido, tomava água. O CHIOSSI estava pior: tinha consumido um pastel estragado. Ou dois! O ADEMAR, filho de um Soldado da Brigada, não parava de comer as unhas. O “Gauchinho” disse que eu estava branco. Tudo bem! Magro, bobo e branco... Mas na luta! Disposto a cair de pé, se necessário!

.........Voltamos a olhar para a jovem simpática e misteriosa. Fiquei impressionado com a responsabilidade dela. Cuidava do irmãozinho como se fosse uma relíquia. E era! Era o filho caçula de um dos casais mais queridos do Município. De pé, o “pequeno príncipe” tinha meio metro de altura. Alegre e pacato. Não fugia. Não tentava fugir. Diferente de mim que, às vezes, fugia... deixando aflita a Dona JOVILDE. Eram apegados um ao outro. Protagonizavam uma comovente história de amor. Era uma coisa normal querer ser amigo deles. Cresciam em prestígio e prosperidade. Escutavam a todos com educação.

.........Minha Mãe sentia orgulho de ser amiga da Mãe dela. Meu Pai foi Presidente do IPIRANGA, em 1954. O Pai dela foi depois (em 1962). Carentes, esperávamos um olhar da guria. Não olhou. Fez bem! Não tínhamos o Fusca 1300, nem a bicicleta Caloy. Se tivesse olhado, o “estrago” poderia ter sido maior! Nunca falei com ela. Nunca falou comigo. Numa Cidade pequena, de vidas entrelaçadas... Por quê? Tímido e meio selvagem, eu vivia em movimento. Esse era o problema? Pode ser. Não tenho certeza, mas parece que, no jogo da vida, o destino armou uma barreira, na grande área, separando nossos caminhos...

.........“Lá vai o HARMONIA!”, alguém gritou. O nosso centroavante entrou como uma flecha, na grande área do sapo, digo: do IPIRANGA. A jogada foi emocionante. Até ele cair. Ou melhor: desabar! Parecia um castigo. Torceu um “monte de coisa”: tornozelo, joelho, coluna... Por pouco não quebrou a espinha! Mesmo sem terem sido chamados, os “enfermeiros” correram para lá. O atleta foi colocado na maca e, após, num Cinca Chambord e levado, às pressas, ao HOSPITAL SANTO ANTÔNIO, do saudoso e competente Dr MÁRIO AZAMBUJA, o “TIO BUJA”. Na correria, um dos maqueiros, o prestativo “TABORDINHA”, perdeu o boné... São os “cavacos” do ofício... Foi ali que decidi mudar a linha da investigação: não seria, apenas, um sapo enterrado. E, sim, uma alcateia de sapos! Não sei bem se esta é a palavra certa. Na aula dos coletivos, eu não queria aprender. O Professor ROSIN não queria ensinar. Deu no que deu: “show” de gafes!

.........Mas favoritismo não ganha jogo. No futebol, há time que se faz de manso, para “almoçar” o domador... O Tricolor, chutando para o lado da PALMEIRA, deslanchou. De 10 em 10 minutos, fazia um gol. Quase meio século depois, a memória não resgata aquelas jogadas. É uma pena! Foram normais. Tristes para nós. A memória apagou-as para se defender da tristeza. Esquecer um gol é fácil. O difícil é esquecer um sorriso! O amor marca como uma brasa... Suas marcas são profundas!

.........O homem de preto apitou. “O jogo já acabou!” O placar marcava: 4 x 0 para os donos da casa. Não é possível! O HARMONIA jogou contra o IPIRANGA, o vento... e o sapo!

.........SARANDI sentia os reflexos do que acontecia do lado de fora dos seus muros. Estudantes espalhavam-se pelo Mundo. Buscavam oportunidades melhores. Alguns desapareciam para sempre. Fruto de empréstimos vultuosos do Governo Americano, rodovias modernas eram implantadas pelo BRASIL. Uma delas “acertou em cheio” o Estádio da Baixada... e o sapo!

.........No Campo do IPIRANGA, o clássico municipal foi emocionante, inacreditável e histórico.

.........Mas o que posso dizer sobre o “campo das paixões”?

.........Entrou no segundo tempo, com chuteiras novas, um jogador invisível: um anjo, o destino... ou o Anjo do Destino...

.........Nunca mais vi a menina-moça... nem o Estádio do IPIRANGA, palco de grandes emoções e saudosas lembranças....

“Eu pensei que fosse fácil esquecer!”.

.........POST-SCRIPTUM - Numa sexta-feira, quando voltei de IJUÍ, fui ao BAR DO DALBOSCO comprar bananas. O Negro “TIÃO” (SEBASTIÃO DA SILVA), enquanto ouvia a gaita do GAMBETTA, emocionado me contou:

“O ‘distino’ se apaixonou por ela...”.

  T h e   E n d 

C F VOGT

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

 CORAÇÃO DE CARTOLINA

.........Esta crônica trata sobre o meu primeiro Colégio: A ESCOLA NORMAL RURAL SANTA GEMA GALGANI (SARANDI – RS). O objetivo é exaltar a Educação. Ontem, quando anotei na agenda para resgatar esta dívida de gratidão, senti o peso da responsabilidade. Eu me senti pequeno. Eu precisaria ter mais capacidade. Confesso que chorei. Senhor leitor, seja compreensivo: tenho limitações. Longe das fotografias e perto da saudade, vou fazer o que é possível. Amanhã, alguém mais organizado poderá aperfeiçoar o trabalho.

.........Se alguém perguntar por que os escritores choram, eu tenho uma resposta: não se consegue escrever a História da Pátria sem sangue e lágrimas... Quando a Rádio Farroupilha citava os nomes dos líderes, meu Pai dizia: “Estudou comigo no Colégio!” Sem querer, ele despertou em mim grande curiosidade pelo tal Colégio...

.........No dia 01 de março de 1960, a minha Mãe (JOVILDE) entregou-me para a Irmã VERÔNICA: “Já paguei a matrícula. Ele é filho do FRIDOLINO. Cuide bem dele. Não para quieto!” Estava começando uma caminhada de 22 anos de estudos presenciais. Coroados por um doutorado no RIO DE JANEIRO.        

.........O momento era mágico. Nos ESTADOS UNIDOS, um Presidente jovem lutava contra a discriminação. No RIO GRANDE, o Governador brigava pela Educação. Na INGLATERRA, os BEATLES já estavam ensaiando. No BRASIL, faltavam 40 dias para o JK entregar a nova capital. No SARANDI, o HARMONIA colecionava 10 anos de vitórias. A Emissora Sarandiense já completara o seu primeiro lustro. O “Colégio das Irmãs” estava duplicando o prédio. A loja do meu Pai, a CASA SANTO ANTÔNIO, com 3 anos, começava a assumir a liderança do comércio. Eu, “experiente”, já tinha seis anos. A sorte estava lançada. Havia no ar uma efervescência. Eu consegui captar aquilo tudo. Mas não sabia o nome... Eram os “ANOS DORADOS” que estavam começando!

.........A cidade do meu coração possuía três escolas de Ensino Primário: o Colégio SANTA GEMA GALGANI e dois Grupos Escolares. Os Padres Italianos haviam espalhado a fraternidade. A música italiana, o romantismo e a nostalgia. Éramos cinco mil almas católicas... em busca da felicidade.

.........A minha primeira sala de aula ficava ao lado da Secretaria. As janelonas dela ficavam no térreo do prédio novo, que estava em obras (A segunda e a terceira janelas). A Irmã VERÔNICA colocou dois alunos por carteira. Eu sentia medo de não conseguir aprender. Mas tinha orgulho de estudar junto com os filhos dos médicos e comerciantes. Muito capaz, ela nos alfabetizou com facilidade.

.........O meu desempenho foi prejudicado por vários fatores: Colégio distante, alimentação insuficiente, falta de concentração, clima chuvoso, falta de motivação para fazer os temas de casa... Eu queria mesmo era brincar. E mais nada!       

.........Numa daquelas manhãs, a Irmã VERÔNICA exigiu que eu lesse em voz alta. Eu li sílaba por sílaba. Parecia uma metralhadora. Ela, gentilmente, segurou-se para não rir. Por ironia do destino, em quase todos os quartéis em que servi, trabalhei como locutor. A Diretora, Irmã MARIA INÊS, dizia que nós éramos engraçados... mesmo quando errávamos. Que saudade!         

.........Aquela sala, da primeira turma do Primeiro Ano, é uma relíquia. Foi dela que assisti ao maior temporal de todos. No outono de “60”, parecia que havia começado o fim do mundo. O vento arrancou os troncos e tábuas dos andaimes. Arremessava-os para o lado da estrada (futura rodovia). A chuva assustava os pequeninos. A Irmã VERÔNICA nos colocou de joelhos, em diagonal, de uma ponta à outra da sala. De frente para a tormenta. Rezamos, em voz alta, durante mais de uma hora. A Irmã Diretora, preocupada, entrava e saía. Não sabia mais o que fazer. Estava à espera de um milagre! A situação era dramática. Curioso, aproximei-me da janela. Vi tábuas voando, uma pequena casa de madeira, dos pobres. A Professora disse que não era verdade. Estávamos todos impotentes diante da força da natureza. Um tronco dos andaimes passou rodopiando, em alta velocidade, a um metro da vidraça. A situação era de pânico. Rezamos mais alto e mais forte. Aos poucos, a tempestade foi passando. A chuva diminuiu, até parar. Fiquei surpreso: nenhuma tábua, tronco, ou qualquer outro objeto atingiu a sala de aula do “Primeiro Ano Primário!” Por quê? O senhor leitor talvez tenha a resposta. Para mim, foi o primeiro milagre... da Irmã VERÔNICA!

.........Fomos liberados. Não havia mais condições de aprender nada, naquele dia. Ao percorrer as fileiras de eucaliptos, percebi que o muro “de material” (alvenaria) da quadra de esportes estava caído. Os andaimes da obra do prédio novo haviam sumido. Ao sair do portão da Escola, um estudante com mais idade me informou: “O armazém do teu Pai está torto!” Ao chegar em casa, eu mesmo constatei: ele estava “meio barrigudinho”. E assim ficou, por muitos anos. Lembrança do temporal de “60”...

.........Mas, quando setembro chegou, eu me senti muito importante, ao desfilar, pela primeira vez, pelas avenidas do SARANDI, em homenagem à Pátria Brasileira. Fazíamos a volta lá no Cinema. Na esquina de cima, posicionados na calçada, vi o Pai e a Mãe me aplaudindo. Quanta emoção! Quanto orgulho! Quem assiste a um desfile como aquele deve aplaudir com entusiasmo. Por quê? Porque cada uma dessas crianças é um pedacinho do BRASIL, da obra do Criador. O aplauso significa, ainda, o nosso reconhecimento de que cada uma delas tem direito a um bom trabalho. Tem o direito de ser FELIZ!

.........No Segundo Ano, entregaram duas turmas para a Irmã ROSÁRIA. Ela superou-se. Um dia, magoei-a. Derrubei a mamadeira. Sujei alguns cadernos. Ela ficou braba. Começou a folhear meu caderno: “Olha aí! Sujou tudo! Tu não fizeste o tema hoje!” E foi olhando as outras páginas: “Nem ontem!... Nem anteontem!...” Que vergonha! Todo mundo olhando para mim... Eu tinha um motivo muito forte para não fazer o tema: não queria ficar trancado numa sala. Eu queria liberdade... para brincar!

.........Em quatro anos de Escola, briguei, apenas, uma vez. Faltou diálogo. Eu estava jogando “pingue–pongue”. O ALEXANDRE PREZZOTTO JÚNIOR (“JUNHO”) também queria jogar. Dei um tapa no rosto dele! Em menos de dois segundos, tomei um tapa no rosto. Uma Freira nos levou à presença da Superiora, Madre MARIA FRANCISCA. Esta fez, de “cara feia”, uma apologia da paz e da fraternidade. Eu, na verdade, recebi duas “orientações”. Enquanto aquela autoridade desenvolvia o seu educativo raciocínio, decidi tomar, na presença dela, um pouco do leite da mamadeira... Reclamou, furiosa, da minha falta de educação.            

.........Em nossa passagem por este mundo sem portões, acontecem alguns fatos que parecem pequenos. Mas que acabam tomando vulto... em nossos corações. Ocupam, para sempre, um lugar de destaque em nossas almas. E quase nos matam de saudade! Aconteceu comigo um caso desses. Foi no inverno de “62”. Eu não era o mais “sabido”. Nem o mais caprichoso. Eu era, apenas, o mais feliz! Para mim, foi o fato mais marcante dos tempos do Colégio. A minha Família e a Escola fizeram a moldura. A Professora pintou o quadro. Eu era meio queimado do sol. A Mãe nutria amor verdadeiro pelo “moreno”. Sentia orgulho. Estava tudo pronto para a Festa Junina. Começava o inverno. As férias estavam chegando. Quanta alegria! O meu irmão, CLÓVIS FERNANDO (“LETO”), estava voltando do Seminário de TAPERA... para brincar comigo. Escrevi o apelido dele na prateleira da cozinha. O Pai e a Mãe não reclamaram. Eles também sofriam a mesma dor, a mesma saudade. Quando eu estava no centro do gramado da Festa Junina, fui surpreendido pela presença da querida Irmã ANITA. Veio falar comigo. Saber se o “moreno lindo” estava feliz. Ela estava  bonita, alegre, carinhosa... Eu nunca mais esqueci... Como esquecer um coração verdadeiro? Como esquecer um sentimento tão sincero? Como esquecer um sorriso contagiante? No teatro dos Poderes, ela me escolheu para representar o Poder Executivo. Antes tarde do que nunca: Obrigado, Irmã ANITA, minha querida Professora! Eu guardo, até hoje, com carinho, as cartolinas daquele Jogral. Vivemos, juntos, o paradigma da cartolina. Os trabalhos mais nobres eram feitos de cartolina. Mas, para mim, ela mostrou um coração de verdade. Que nunca mais vou esquecer...
.........No quarto ano, em 1963, o nosso Professor foi o AGENOR ROSIN. Ensinou gerações inteiras a gostar de JESUS. Por intermédio de redações constantes, nos ensinou a gostar de redigir. Era forte e corajoso. Numa noite, quando os ladrões tentaram roubar a residência dele, saiu de casa, de “peito aberto”, para esclarecer a situação. Ensinou de tudo um pouco: fé, vida, água, futebol, comportamento... Na idade de CRISTO, 33 anos, foi chamado para o Céu. Obrigado, Professor AGENOR! Pelo exemplo de Homem! De Grande Homem!    

.........Houve um fato misterioso: quando eu rolava pelo gramado do “campinho”, jogaram uma bombinha de SÃO JOÃO. Era uma brincadeira. Eu sei! Mas o rojão parou sob o meu rosto. Quando vi a fumaça me apavorei. Apagou debaixo dos meus olhos. Graças a DEUS, a bomba falhou! Quantas bombinhas falham? Foi um milagre? Meu Pai era devoto fervoroso do SANTO ANTÔNIO.                            

.........O portão da Escola SANTA GEMA era um divisor de águas. Digo: de mundos. Em 22 de novembro de 1963, quando já se aproximava o dia da minha formatura, assassinaram JOHN F KENNEDY. Defensor da liberdade dos negros. Nós, alunos, com pouca instrução, não conseguíamos processar aquela informação. Eu estava na Avenida EXPEDICIONÁRIO, próximo ao GIORDANI. Não sabia para onde ir. Nem o que fazer. Quem matou o Presidente? Por quê? Mas a Irmã não ensinou a cultuar a paz? Mais tarde, fiquei sabendo que ele havia entrado em rota de colisão com entidades racistas radicais.                       

.........Havia chegado a hora da partida. Já estávamos prontos para o Curso de Admissão. Era preciso deixar para trás as bucólicas fileiras de eucaliptos. Ultrapassar, pela última vez, o saudoso portão do Colégio. Que me ensinou valores. Na manhã de 14 de dezembro de 1963, após o café, escutei uma faixa do disco (LP) dos CARBONOS: “REFLETINDO SOBRE A VIDA”. Eu precisava pensar. Na verdade, não sabia, ainda, se havia sido aprovado.
.........No meio da manhã, entregaram os boletins. A Escola Sarandi classificou, em primeiro lugar, o guri CARLOS ANTÔNIO MAZZOCO, o "TONHO". Merecido! Era leal, maduro e inteligente. A minha classificação não foi informada. Apenas, a média final: 75.

.........Sou grato a todos meus colegas. Cada um me ensinou um pouco. Homenageio, a seguir, aqueles que, sob minha ótica, se destacaram: melhor redação – MARIA ELIZA DALBOSCO / aluna mais bonita – IVANICE PARIS (Eleita Miss SARANDI) / melhor jogador – ARISTIDES TONELLO / mais caprichoso (letra mais bonita) – GILBERTO COLLI / melhor sociabilidade – ADEMIR CHIOSSI / coração mais bondoso – DARCI DURANTE, da Linha AGUSSO (Levava para casa dois alunos por dia... em seu cavalo manso e branco).

.........SANTA GEMA GALGANI! A primeira Escola da minha vida! A melhor do meu pequeno SARANDI! Hoje, volto para te agradecer. Não trago ouro nos bolsos. E, sim, um poema no coração:                                 

Lembrar de ti ainda me fascina. 

 Sonhar contigo ainda me ensina.
No teu mundo de educação, amor e disciplina,
Teu bondoso coração nunca foi de cartolina...

domingo, 26 de junho de 2022

  OS JOVENS E A CARREIRA MILITAR

..........O Objetivo deste trabalho é incentivar os jovens a seguirem a carreira militar. A Economia vive um momento de desemprego. A faixa etária com maior índice de desemprego é a juventude. Muitos jovens desempregados poderiam estar seguindo a carreira militar. A droga, por sua vez, já chegou nas cidades do interior. Muitos dependentes químicos também poderiam estar seguindo a carreira militar. Esta ensina valores: organização, hierarquia, disciplina, lealdade, honestidade, liderança, pontualidade, persistência, sobriedade, patriotismo, atitude contrária a vícios...

.........O Serviço Militar é uma porta de entrada para a carreira militar. As Escolas Militares e os Colégios Militares realizam, anualmente, concursos para o ingresso. Nos quarteis, os jovens recebem orientação para seguir carreira. Fazem amizades para o resto da vida. Podem fazer cursos: de Cabo, de Sargento, de motorista, de mecânico, paraquedismo... Participam de competições esportivas. Recebem medalhas militares e esportivas. O mérito é valorizado. Os mais capazes chegam a General no Exército, Almirante na Marinha, Brigadeiro na Aeronáutica e Coronel na Brigada Militar. Os jovens são promovidos por merecimento ou antiguidade. A alimentação é boa, saudável. O exercício físico é diário. Forma bons hábitos. O Pelé foi Soldado. Elogiou a disciplina que aprendeu no Exército.

.........A carreira militar exige sacrifícios: mudanças, escalas de serviço, exercícios militares, calamidades... Eu tive que fazer 16 mudanças, para chegar a Coronel. Nos quarteis, há bandas de música e vagas para o público feminino. Ela forma líderes militares e políticos. A carreira militar oferece uma vida inteira longe da corrupção e das drogas! O importante é ter vocação! Eu tenho saudade do Exército! Eu fui feliz na Carreira das Armas!

Cel CLAUDIO FREDERICO VOGT

cfvogt@yahoo.com.br

www.escritorcfvogt.blogspot.com.br

quarta-feira, 1 de junho de 2022

   Camisas Perdidas

.........O objetivo deste trabalho é apresentar ensinamentos que brotaram da análise das brigas de outrora. A causa é nobre: deixar para os jovens uma Cidade melhor. Em alguns domingos à tarde, não havia o que fazer, em minha terra natal. Os rolos de filme não vinham de CARAZINHO. Não havia matinê! O ônibus do ITAPAGÉ, de FREDERICO WESTPHALEN, quebrava na estrada de chão. Não havia jogo, no Campo do HARMONIA!  Acompanhava, então, o Pai (FRIDOLINO), o senhor ARDUINO GIOVANINI, o senhor TOBIAS BACHI... ao Bar do MATTEI. Jogavam cartas com entusiasmo. Principalmente, o “3 – 7”...

.........Eu estava junto ao balcão. Tomava gasosa do HERMES MACCARI e comia “mandolato” da BOA VISTA. Foram longos domingos de amizade e paz. Até que um dia, um jogador de cartas, de origem italiana, cometeu um ato de desonestidade... “Tiavou não sei o quê!”. Começou uma “discutissão” das brabas! Espalhou-se pelas quatro mesas do Bar. Todos ficaram de pé. Foram discutindo e saindo do Bar. Na esquina da Avenida EXPEDICIONÁRIO com a Rua JÚLIO MAILHOS, não passava nenhum auto! Havia mais de duzentas pessoas discutindo ou apartando a briga! O boné de um Italiano voou longe. Graças a DEUS, não chegou haver luta corporal. Eram Pais de Família, honestos, trabalhadores... Alguns deles receberam a honraria máxima do Município: “Cidadão Sarandiense”...

.........Aquela turma de boné e suspensório, no jogo de cartas ou na vida, cultuava a Honestidade. Sem esta, o mundo perdia o brilho! Eram felizes com pouco. Eu me emociono, quando me lembro daquele episódio: a briga não começou em respeito à presença de uma criança... As ondas sonoras da ZYU 36 atendiam o pedido de uma loira de blusa amarela: “PROFESSOR APAIXONADO”, com NILTON CÉSAR... Havia coisas bem mais importantes... Palavras são como flexas: podem ferir! Brigas são como portas: podem fechar... para sempre!

.........Numa noite de verão, eu me deslocava pela Rua TIRADENTES. Queria comprar pastel na Rodoviária do senhor ALVES. Estava havendo uma grande confusão. Informei ao Pai, amigo de brincadeiras e perigos... Ele me disse para não apartar a briga: os que apartam, às vezes, acabam morrendo. Alguns homens estavam tentando segurar o Motorista da Patrola. Movido pela curiosidade, cheguei mais perto. O furioso homem, seguro pelos braços, jogou os pés contra o rosto do cidadão que havia lhe magoado. Uma multidão era testemunha de mais um escândalo daquele competente profissional. Dependente químico sem nenhum tratamento, já não escondia o tremor das mãos... Não havia a cultura de internar nem de tratar. Numa época em que não havia prontuários, nem esperança. Eu ainda era pequeno, mas assisti, com tristeza, ao naufrágio de uma família inteira... provocado por um “hábito” que parecia inofensivo. O BRASIL salva, apenas, 30% dos alcoólatras! Ser inteligente é não começar...

.........Quando o doutor JONES ZANCHET, filho do MASSIMO, era o Presidente do HARMONIA, fui ao Clube, à noite, para comprar sonhos. O PAULO ROBERTO BLANK, locutor da Rádio SARANDI, fazia brincadeiras, junto ao balcão. Começou uma briga entre dois torcedores. Com caipirinha nas veias, um queria acabar com o outro. No auge da fúria, faltou luz na Cidade. Ninguém via nada! Havia o risco de alguém ser atingido por uma cadeirada perdida. Ciente do perigo, fui me proteger na sala do Presidente. Fiquei na porta aguardando os fatos. O ecônomo não tinha nem lanterna. Contar com a sorte fazia parte da nossa cultura.  Seguiram-se momentos de suspense... O brigão, que se achava mais esperto, cometeu um erro estratégico: acendeu um fósforo! Tomou uma bofetada cinematográfica! Os palitos de fósforo voaram! A situação piorou: sem luz, sem fósforo, sem lanterna, com um ferido... Quando a luz voltou, o Clube já era outro. Os homens também! O senhor ILDO MANFRO colocou na Eletrola um novo "Long Play" (LP): “ERA UM GAROTO QUE COMO EU AMAVA OS BEATLES E OS ROLLING STONES”... Ao chegar em meu lar sagrado, a Mãe (JOVILDE) me perguntou sobre os sonhos... A causa do conflito foi a personalidade forte dos envolvidos. O orgulho provoca discórdia. A humildade é marca dos grandes homens!

.........Nos anos 50 e 60, não havia briga de torcidas em SARANDI. Fato elogiável! Futebol é arte e alegria. Violência nunca foi Futebol.  A briga mais longa ocorreu na época do Ginásio. Durante um jogo de futebol, realizado num gramado que havia do lado de cima do Ginásio Sarandi, um zagueiro marcava com rigor um centroavante. Começaram discutir. Trocaram socos e pontapés, por mais de meia hora. Não houve perdedor. Nenhum deles caiu. Não cansaram. Não aceitaram ser apartados. Os colegas de aula ficaram admirados pela coragem e resistência dos contendores. Na verdade, a gente pensa que conhece os irmãos... As camisas ficaram imprestáveis! Ainda hoje, é difícil ensinar aos estudantes “SABER PERDER”. Um queria, apenas, fazer gol. O outro não queria deixar. Ambos estavam certos. Mas a deslealdade não deveria ter entrado em campo! O homem de caráter joga limpo!

.........Num baile realizado no antigo Salão do Ipiranga, o Soldado PAIANI foi atingido por um tiro de revólver nas costelas. Ele era um Brigadiano muito benquisto na Cidade. Ainda na mesma noite, fui, com alguns amigos, ao Hospital Santo Antônio, do doutor MÁRIO AZAMBUJA. Estávamos muito preocupados. Entrei na Sala de Cirurgia. O bravo Militar me recebeu sorridente. Estava feliz por estar vivo. Inclinado numa cama, sem camisa, mostrando, no lado direito do peito, o furo da bala... Passou entre as costelas. O projétil atravessou “fora e fora”, mas, segundo a Enfermeira, não atingiu nada importante... O ADEMAR (“GAUCHINHO”), filho de um outro Brigadiano, disse que o amigo PAIANI estava fora de perigo... Já tinha tomado uma aspirina! A camisa do sobrevivente, não dava mais para usar. Mas seria guardada de lembrança... Bons tempos! Se um Carioca toma um balaço desses, desmorona na hora! (Uma causa importante daquele episódio: falta de uma Cultura de Segurança. As autoridades têm o dever de impedir que os cidadãos entrem armados nos bailes! Por que entrar com armas nos bailes, nos estádios, nos cinemas...?). Se beber, não dirija, não atire! A bebida alcoólica contribuiu... para estragar a noite...

.........Meus jovens! O Povo Sarandiense sempre foi religioso e pacífico. Minha terra natal nunca foi “SARANDI DO OESTE!”. Era um lugar de fraternidade sincera. Guris pobres brincavam junto com guris ricos. Os médicos sabiam os nomes dos pobres. Atendiam e curavam, sem cobrar, sem papelada... Tudo era para todos.

.........Quando fui estudar na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em 1974, nos primeiros dias, dois cadetes brigaram. Eram de regiões e culturas diferentes. O então Capitão CUPERTINO, Comandante da 2ª Companhia, fez uma formatura para explorar o episódio. Transmitiu orientação e experiência. Concluiu sua eloquente fala, dizendo: “A MELHOR BRIGA NÃO VALE A CAMISA!” (A PAZ é um Objetivo Nacional Permanente).

sábado, 14 de maio de 2022

 Os Moradores de Rua

.........Está aumentando o número de moradores de rua em Porto Alegre. Nas esquinas, famílias inteiras pedem ajuda. Levantam cartazes de papelão, pedindo ajuda aos motoristas. Em algum lugar do passado, decisões erradas foram tomadas. Dormem sob a marquise das lojas e em pequenas barracas ao longo da avenida Ipiranga e Princesa Isabel. São magros e fumantes. Correm riscos de doenças, drogas, morte. A droga leva à rua. A rua leva à droga. Eles não têm aposentadoria. Passam fome. Falta saúde, moradia, emprego, comida... Passam frio!

.........Eu conheci alguns deles. O “Barbudo” tinha epilepsia. Morreu enquanto fazia um lanche. Teve um ataque e se engasgou. Um deles falava com a bicicleta. Fiquei com pena... Um mundo inteiro a enfrentar... O “Beleza” (Rafael) era o líder na rua Leopoldo Bier. Tinha esquizofrenia. Brigou na frente de um bar na rua Gomes Jardim. Caiu e bateu a cabeça. Teve morte cerebral. O “Pará” (Roberto), alcoolizado, ofendeu outro morador de rua. Bateram na cabeça dele com uma lata. Ficou caído na calçada, agonizando, durante três dias. A ambulância não veio. O Fábio é jovem, mas bebe cachaça todas as tardes. Fica no chão, na calçada. Está sozinho no mundo. Já passou do ponto do não-retorno. O “Filhotinho” também é jovem, mas bebe todos os dias. O “Lobão” passava, todas as tardes, com uma garrafa de cachaça, gesticulando e falando sozinho. Trocava roupa por droga. Ficou com sequelas. As pessoas tinham medo dele. Está desaparecido. O “Cigano” é um bom homem, mas bebe todas as tardes. Morava no parque farroupilha. O Filho dele veio buscá-lo. Está desaparecido. A Cecília passa o dia no parque, mas dorme no albergue. A família dela está no interior de Santa Catarina. Roubaram o cachorro dela. Ficou arrasada! Uma amiga não volta para casa: tem problema! Um ex-soldado do Exército mora em uma barraca, em um canteiro da avenida Princesa Isabel. Não volta para casa por causa da bebida. Um careca não quer trabalhar. Me chamou de miserável! Eu estava sem dinheiro.

.........Conheço um médico que morou vários dias na rua. Foi salvo pelo trabalho! Alguns conseguem dar a volta por cima. É impossível saber quantas lágrimas foram derramadas pelos moradores de rua, quantificar o sofrimento deles. O problema requer solução urgente, multidisciplinar.

C F VOGT

cfvogt@yahoo.com.br

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